Centenas de pessoas se reuniram no salão de festas do hotel DoubleTree by Hilton, em Minneapolis, no estado norte-americano de Minnesota, no início da madrugada do último dia 30 de junho para assistir a alguém jogando o clássico “Super Metroid”, para Super Nintendo. Mas este “alguém” não era humano.
Era TASbot, um robô criado pelo engenheiro de redes norte-americano Allan Cecil. O dispositivo foi criado para jogar videogames melhor do que qualquer ser humano em maratonas de jogos conhecidas como “speedruns”. Sua mais recente apresentação, em Minnesota, foi no chamado Summer Games Done Quick (SGDQ) de 2018.
Games Done Quick é um evento realizado duas vezes ao ano. A cada edição, fãs de videogames se reúnem para finalizar títulos como “Super Metroid” e “Super Mario 64” no menor tempo possível, realizando movimentos de coordenação impecável e precisão cirúrgica, enquanto arrecadam doações para a caridade.
Allan Cecil é um dos participantes mais antigos do Games Done Quick, mas ele nunca coloca as mãos num controle. Sua especialidade é coordenar os movimentos de TASbot – este, sim, capaz de finalizar “Super Metroid” em apenas 7 minutos e 41 segundos, como no último SGDQ, para o delírio da plateia.
Como funciona o TASbot?
A aparência do simpático robô montado por Allan pode ser familiar para alguns fãs de longa data da Nintendo. Trata-se, basicamente, de um R.O.B. (Robotic Operating Buddy) modificado, um robô que servia como acessório para o NES, lançado em 1985, e que atuava como um segundo jogador em games compatíveis (no caso, apenas dois).
Allan pegou um modelo antigo de um R.O.B. e o adaptou com peças de Lego e uma placa de circuito. Esta placa é capaz de rodar um programa que imita o funcionamento de um controle de NES ou SNES e emite comandos para o console com uma precisão e velocidade muito além dos limites dos dedos humanos.
O nome “TASbot” vem de “tool-assisted speedrun”, ou “maratona assistida por ferramenta”. Trata-se de uma subcategoria de speedruns em que jogadores usam softwares ou hardwares para finalizar um jogo de forma incrivelmente rápida, geralmente explorando glitches e atalhos no código do game que exigem extrema velocidade e coordenação.
As performances de TAS começaram a pipocar na internet em 2003, quando um vídeo viralizou na web (muito antes da criação do YouTube ou das redes sociais modernas) com o título “Time Attack“. Ele mostrava alguém chegando ao final de “Super Mario Bros. 3” de forma extremamente rápida, com muito mais destreza do que os speedruns conhecidos na época. E acabou levantando suspeitas.
Muita gente acreditava que aquela demonstração não poderia ser humanamente possível. E, de fato, não era. O jogo havia sido reproduzido num emulador de PC e em câmera lenta. A façanha inspirou outros fãs de speedruns a fazer suas próprias maratonas usando emuladores. Nascia aí o que chamamos hoje de TAS.
Durante anos, porém, a realização destas maratonas auxiliadas por ferramentas dependia unicamente de emuladores e programas de edição de vídeo. As performances eram compartilhadas em arquivos WMV em fóruns na internet e por e-mail, de pessoa para pessoa. Até que, um dia, alguém se perguntou: e se fosse possível realizar um TAS fisicamente, num console original, em vez de num emulador?
Para isso, era necessário criar um hardware capaz de hackear o videogame e explorar novas formas de execução de comandos. Foi aí que nasceu o ancestral do TASbot, um equipamento chamado de NESbot. Era um simples conjunto de fios e circuitos que se conectava ao NES para reproduzir uma sequência de botões, criado em 2010 por um usuário que se identificava na comunidade de fãs de TAS como “micro500”.
O NESbot (foto) é, basicamente, o que Allan chama de “dispositivo de replay”. Grosso modo, funciona assim: num emulador no PC, em câmera lenta, o jogador grava um roteiro com a sequência de botões necessária para finalizar o game no menor tempo possível. O dispositivo de replay pega esse roteiro feito no PC e executa os comandos diretamente no console da Nintendo.
O processo é chamado de “verificação de console”. O TASbot, por sua vez, é uma evolução do NESbot, usando um Raspberry Pi em vez de uma placa Arduino. Além disso, ele é capaz de se comunicar também com o Super Nintendo, além do NES, e pode ser adaptado para jogar games no PC. E ainda vem com o simpático visual do R.O.B. só de capricho.
Ao contrário do que parece, porém, o TASbot não faz tudo sozinho. Afinal, parte da graça de maratonas de jogos é ver um ser humano de verdade suando para terminar o game no menor tempo possível. Por isso, em cada performance do TASbot em edições do GDQ, a programação do robô é feita e executada ali mesmo, ao vivo, na frente de uma plateia e em tempo real.
“Não há qualquer inteligência artificial acontecendo aqui”, diz Allan, diretamente de Petaluma, na Califórnia, em entrevista ao Olhar Digital. “É só um ser humano, tediosa e manualmente, tentando descobrir a sequência exata [de botões] que precisam ser pressionados antecipadamente. É tudo ao vivo, num console real, sem trapaças”, garante ele.
O TASbot é convidado sempre presente no Games Done Quick desde 2014, quando as maratonas apoiadas por software ou hardware viraram uma categoria fixa no evento. Allan faz questão de dizer que o robô é fruto de um trabalho colaborativo, e por isso as instruções e os códigos usados na criação dele estão disponíveis livremente no GitHub para quem quiser fazer um em casa.
Quem é Allan?
Allan Cecil tem 38 anos, é pai de crianças de 12 e 9 anos, é engenheiro de redes numa empresa chamada Ciena e defensor ferrenho do uso de software livre enquanto orgulhoso presidente do Grupo de Usuários do Linux da Baía do Norte, na cidade de Petaluma, Califórnia.
Além disso, ele tem um canal no Twitch (dwangoAC) em que faz transmissões ao vivo quatro vezes por semana exibindo performances do TASbot. O canal é monetizado, mas o que ele recebe de receita com os vídeos é doado para a organização Médicos Sem Fronteiras em edições do Games Done Quick. Ele não tem planos de fazer disso seu ganha-pão.
Allan conta que, na adolescência, teve que interromper os estudos por problemas financeiros na família. Conseguiu seu diploma do ensino médio por meio de um programa equivalente ao nosso “supletivo” anos mais tarde.
Ele nunca se formou em engenharia ou eletrônica, disciplinas essenciais para a criação do TASbot, embora tenha feito alguns cursos em universidades dos EUA. A paixão pela tecnologia ele resume dizendo: “eu sou um defensor do aprendizado na prática. Encontre algo que te deixa apaixonado e aprenda fazendo”.
O TASbot, para Allan, é como um monumento que ele quer deixar para a posteridade. Ele fala com orgulho sobre ser uma testemunha do nascimento da era dos videogames – momento que, para ele, mudará para sempre a história da humanidade. Por isso, Allan se dedica a explorar esta tecnologia e, mais importante, preservar produtos e equipamentos que, segundo ele, são artefatos culturais.
Para explicar sua filosofia, Allan exibe um Super Nintendo que ele guarda com carinho desde a infância. Ele conta que, recentemente, teve que substituir o processador de som da máquina para poder continuar usando o console em testes do TASbot e outros experimentos. O componente original deixou de funcionar devido à ação natural do tempo.
“Se nós já temos problemas com uma tecnologia de 25 anos atrás”, reflete Allan, “o que restará disso tudo em 1.000 anos? […] Este retrato do tempo é algo que jamais poderá ser substituído. Quando fizeram os aquedutos da Roma antiga, ninguém pensava que estariam usando aquilo 1.000 anos depois. Mas estão! Então, pense em como será olhar para trás, para este momento, 1.000 anos no futuro. Que artefatos você gostaria de ter preservados?”.
É pensando nisso que Allan, pai de dois filhos, engenheiro, hacker e defensor do software livre, se declara também um “retropreservacionista”. O que, segundo ele, também explica sua dedicação ao TASbot. “Eu sinto que, se eu não tirar um tempo para mostrar o que esta tecnologia é capaz de fazer, colocar isto num vídeo que pode ser digitalizado, arquivado e encontrado por historiadores no futuro, nós vamos perder tudo isto. E eu quero preservar este momento para as futuras gerações.”